Vigilância tecnológica

A temática da valorização de resíduos tem vindo a ganhar cada vez mais importância, sendo que hoje é incontornavelmente um tema que está na ordem do dia. Todos os dias. De facto, foi a própria Comissão Europeia a dar mais força ao conceito de economia circular, ao colocá-lo na agenda da Estratégia Europa 2020. A CE prevê que em 2020 a percentagem de resíduos reciclados seja de 50%, valor que contribuirá para a redução da pegada ecológica (redução de emissões de CO2, poupança de água e de energia) além de uma poupança de 600 mil milhões de euros. Este é uma das vertentes da estratégia para qual a CE está a canalizar apoios, que, em Portugal, ascendem a 2.2 mil milhões de euros no âmbito do Programa Operacional Estabilidade e Eficiência no Uso de Recursos (PO SEUR).

A Plataforma Fibrenamics da Universidade do Minho tem vindo a desenvolver projetos com uma forte componente de análise do ciclo de vida do produto, precisamente por causa das questões de sustentabilidade dos produtos. Foi nessa perspectiva que celebrou um protocolo com o CVR – Centro para a Valorização de Resíduos, e que, ainda antes disso, já se tinha unido, através da TecMinho, ao ITeCons da Universidade de Coimbra, e à Universidade de Aveiro, para promover a Plataforma Shared Waste Solutions (SWS), projeto de estímulo e valorização sustentável de resíduos. Foi no âmbito desta plataforma que a Fibrenamics marcou presença, nos passados dias 14, 15 e 16 de setembro na terceira edição da WASTES e na 9ª edição das Jornadas Técnicas Internacionais de Resíduos, que decorreram nas instalações da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Viana do Castelo.

A WASTES – Solutions, Treatments and Opportunities é uma conferência internacional organizado pelo CVR, que nesta edição se realizou em simultâneo com as Jornadas Técnicas Internacionais de Resíduos, e juntou 270 participantes para apresentar propostas e debater soluções para alterar a fórmula em vigor: População + Desenvolvimento = + Resíduos.

Ficou claro que é imperativo desenhar uma estratégia pensada para a realidade local a que se vai aplicar – a cópia indiferenciada de modelos não é bem sucedida – tendo ficado claro que os avanços com a meta de uma sociedade mais verde exigem mudanças de comportamento social, que vão desde a preocupação do cidadão comum em separar resíduos, até aos decisores empresariais, ao pensarem em soluções mais sustentáveis, do ponto de vista ambiental (não descurando a vertente económica, obviamente).

Há uma preocupação crescente com a valorização de resíduos das indústrias agro-alimentar, florestal, e farmacêutica, bem com a reciclagem de equipamentos electrónicos e eléctricos (REEE). Relativamente a estes últimos, um estudo da Universidade de Sheffield estima que a REEE contribuirá com 3,7 mil milhões para a economia europeia em 2020.

 

Mas as indústrias ditas mais tradicionais continuam a merecer atenção, havendo cada vez mais projetos de I&D dedicados à reciclagem de materiais plásticos, madeira, cortiça, e resíduos resultantes da construção e demolição de estruturas.

Durante os três dias também foram apresentados os resultados de sistemas de gestão de resíduos em outros países da CPLP, como Brasil e Angola, que se vêm a braços com o fenómeno da urbanização – mega cidades – realidade diferente da portuguesa, e que prova que não há uma solução única para a gestão eficiente, devendo utilizar-se estratégias diferentes para condições diferentes. Independentemente das condições e da solução, a tecnologia pode sempre ajudar. O desenvolvimento de Business Intelligence Systems para otimizar as estratégias escolhidas é uma atividade em crescimento.

A Fibrenamics apresentou o projeto “Processing and characterization of plates made from granulate of electrical cables waste” que teve como objectivo caraterizar placas moldadas por compressão a quente, compostas por resíduos de cabos eléctricos, de forma a determinar as suas possíveis aplicações. O desenvolvimento foi feito através da recolha de resíduos de cabos eléctricos (compostos plásticos), processamento desses resíduos pela técnica de moldação por compressão a quente e posterior caracterização das placas. No final, analisando os resultados obtidos, verificou-se que o produto desenvolvido apresentava excelentes propriedades acústicas quando comparado com materiais comerciais usados para isolamento acústico.

A consciência de que os resíduos podem ser matéria-prima para outros produtos foi uma preocupação transversal, e foram apresentados projetos que seguem esta linha de sustentabilidade. Assistimos à apresentação de um novo produto, utilizado como pino de estrada, cuja produção se baseia em resíduos de pneus e outros tipos indiferenciados de materiais plásticos, produzidos através da técnica de processamento de moldação por injecção. Já existe um protótipo do produto, estando a equipa de desenvolvimento a trabalhar para a sua introdução no mercado. Numa outra apresentação falou-se da introdução de resíduos nos geopolímeros, resultando em materiais com vantagens ao nível do impacto ambiental, ao reduzir, por exemplo, a emissão de CO2 para a atmosfera. Assistimos também a uma apresentação que se propõe a usar diferentes tipos de resíduos sólidos inorgânicos para a produção de espumas de vidro. No desenvolvimento foram introduzidos resíduos electrónicos, bem como um tipo de material em pó – CRT (cathode ray tube) e, ainda, dois tipos de agentes expansores: FA (“fly agent”) e CA (calcite).

Os resultados obtidos comprovaram uma elevada porosidade do produto, assim como uma elevada densidade aparente, e uma elevada resistência à compressão. A reciclagem de rolhas de cortiça natural também está a merecer atenção de investigadores, sendo que uma das apresentações à qual assistimos na WASTES2015 incidiu precisamente no uso deste produto para a produção de materiais de construção, minimizando o impacto ambiental da extração da cortiça – matéria-prima concentrada no baixo Alentejo – e o impacto do transporte. A reciclagem de pavimentos permite a redução do consumo de recursos naturais, e uma apresentação demonstrou que é possível utilizar óleo, plástico e pavimento de asfalto recuperado para fazer misturas de asfalto. Uma outra apresentação incidiu no desenvolvimento de materiais compósitos reforçados com fibra de madeira, no caso, para o desenvolvimento de telhas para ‘telhados verdes’. O objetivo é aprimorar o design da telha, tornando-a favorável ao crescimento de vegetação. Relativamente aos materiais, foi explicado que a matriz polimérica consiste em LDPE e o reforço natural provém da fibra natural do eucalipto. A adição de um compatibilizador permitiu tornar o produto ainda mais consistente, melhorando as propriedades mecânicas e tornando o produto mais resistente aos raios UV. Segundo o investigador, este desenvolvimento poderá ser aplicado não só aos telhados mas também às paredes externas de uma habitação.

Com mais uma participação numa conferência internacional, a Fibrenamics assume, cada dia mais, o papel de um agente tecnológico catalisador da inovação também no setor dos resíduos, bem como a transferência deste conhecimento para o meio industrial e a sua efetiva transformação em produtos inovadores com base em resíduos.

12/10/2015 , Por Cátia Silva Pinto