“A qualidade científica é muito importante, mas é sobretudo a qualidade humana que é essencial”

A propósito do Dia Internacional da Mulher, conversamos com mulheres a liderar a luta contra a COVID-19, algumas responsáveis por projetos cofinanciados pelo COMPETE 2020 como é o caso de Teresa Vieira no âmbito do projeto STOP SARS-CoV-2.
Desenvolvido pelo CTCV - Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro, este projeto visa garantir que o vírus fica retido nos filtros e que é desativado no mais curto espaço de tempo. 
 
Teresa Vieira | Professora Catedrática, convidada, da Universidade de Coimbra e Responsável pelo projeto "SARS-CoV-2"
 
1. Entrevista
 
1.1. O que a atraiu para o mundo da Investigação/Engenharia Mecânica?
 
O meu objetivo primordial foi poder contribuir para um mundo, onde o raciocínio e a enorme perseverança pudessem ajudar a promover a Indústria que tinha tido um papel relevante na minha formação académica, primeiro durante a frequência da licenciatura em Engenharia Metalúrgica, na FEUP, e posteriormente no doutoramento, Paris XI (Orsay), ou seja, a Indústria Metalomecânica. 
Na realidade os metais e ligas metálicas eram e ainda continuam a ser o “Material” de uma das indústrias com grande impacto e prestígio internacional, como é a indústria dos moldes e ferramentas. Nos primórdios da indústria dos moldes em Portugal, para além dos dedicados à fundição, eles tinham como fim a indústria do vidro, e só mais tarde a indústria dos plásticos e atualmente dos processos de fabrico pulverometalúrgico de metais e ligas metálicas. Este longo percurso contribuiu para uma procura de inovação e qualidade de exceção, que tem vindo cada vez mais a ser demonstrada e reconhecida. A indústria de moldes em Portugal, antes da pandemia exportava cerca de 90% da sua produção, principalmente para a indústria automóvel. 
A proximidade entre a Universidade que integro, desde a minha licenciatura, e a Indústria de Moldes, permitiu-me um contacto preferencial que já dura desde o século passado.
 
1.2. Qual foi o momento mais emocionante no seu trajeto profissional?
 
Houve dois momentos fortemente emocionantes na minha vida profissional, um foi ter conseguido em tempo mínimo (5 anos) o doutoramento de estado ex- Sciences Physiques, em ORSAY (Paris XI), no tema aços para corte rápido, sem qualquer apoio monetário, após 2 anos de investigação, por alteração de legislação e da sua aplicação com efeitos retroativos, devido a má interpretação da lei; e ter conseguido criar um laboratório dedicado aos Materiais e Superfícies para aplicações na área de Engenharia Mecânica (Produção), que esteve na origem de um centro de investigação nacional denominado ICEMS (2001/8), que mais tarde com investigadores da Departamento de Engenharia Metalúrgica da FEUP (2008) integrou o centro designado por CEMUC (2008/17), atualmente CEMMPRE.
 
 
1.3. E qual foi o desafio mais interessante de superar? 
 
De todos os desafios que me confrontei até agora, os mais desafiantes foram dois.
 
Por um lado, conseguir demonstrar que o conceito de nanomaterial, apanágio de produtos de síntese, pode ser encontrado em resíduos industriais, transformando-os numa matéria-prima de elevada qualidade (x-NANO - Valorização de aparas metálicas, projeto co-promoção ANI, inserido no Pólo de Competitividade e Tecnologia Engineering & Tooling, cofinanciado, por mais CENTRO, QREN e FEDER). Na verdade, este projeto visou estudar a aplicação de aparas de aço provenientes da indústria de moldes, com uma relação nano/micro grão adequada, como matéria-prima essencialmente para conformação de diversos produtos por processos replicativos a partir de pós. Tal, criou uma oportunidade para a produção a baixo custo de novos produtos para a indústria dos moldes/mobilidade.
 
O outro desafio está diretamente relacionado com o ambiente em espaços fechados industriais, como é exemplo a indústria de moldes, onde o corte por fio e por elétrodo impera, onde foi detetado concentrações abnormais de nanopartículas, acima do limiar provisório, que podem colocar em risco a saúde  das pessoas que nele permanecem; a composição dos elétrodos usados varia e pode transformar nanopartículas inócuas (Cu), em nanopartículas de elevada perigosidade (Cu-Zn).  Neste caso, o desafio para manter estas partículas abaixo do limiar provisório, foi a criação de filtros verdadeiramente nanoporosos, pela deposição de filmes finos de metais em filtros submicrométricos convencionais (tese de doutoramento: Towards an efficient filtration and characterization of airborne nanoparticles, Rita J.Santos; orientação Teresa Vieira; http://hdl.handle.net/10316/32382). De salientar que este trabalho concluído em março de 2017, é a base da investigação que está a decorrer atualmente sobre filtragem e sobretudo desativação quase instantânea  do vírus SARS-CoV-2, projeto designado por STOP SARS-CoV-2 - Strategic Thin-films Opposed to Pandemia (FEDER).
 
1.4. E gerir num contexto de pandemia mundial causada pelo novo coronavírus COVID-19... qual o segredo?
 
O principal segredo reside essencialmente na colaboração e qualidade da equipa que trabalha connosco, mas evidentemente também na capacidade de se estar “presente na ausência física”. Neste último caso, teve de haver uma aprendizagem prévia, que foi conseguida após o primeiro período de contingência. Mas gostava de salientar que a qualidade científica é muito importante, mas é sobretudo a qualidade humana que é essencial.
 
1.5. Que projetos têm em cima da mesa?
 
> TOOLING4G - Advanced Tools for Smart Manufacturing (PPS3). Ref. POCI-01-0247-FEDER-024516
Add.Additive – Add Additive Manufacturing to Portuguese industry. Ref.POCI-01-0247-FEDER-024533
ARTTE - Advanced Robotics/Tool Technology, and Eco-Efficiency.Ref. POCI-01-0247-FEDER-037457
4DComposite -Intelligent molding of 4D components based on carbon-embedded shape memory alloys pre-impregnated with thermoplastic.Ref. POCI-01-0247-FEDER-033758
AddPowder - New filaments based on metallic powders for additive manufacturing. Ref.POCI-01-0247-FEDER-039910
STOP-Strategic Thin-films Opposed to Pandemia – SARS – CoV-2. Ref.69683 /Quadro Temporário relativo a medidas de auxílio estatal em apoio da economia no atual contexto do surto de Covid-19 e da Portaria n.º 96 de 18 de abril, bem como do previsto no n.º 6 do artigo 16.º do Regulamento Geral dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 159/2014, de 27 de outubro  
S4PLAST- Sustainable Plastics Advanced Solutions. Ref.POCI-01-0247-FEDER-046089
3DCOMPOCER-Additive Manufacturing of Ceramic Matrix Composites for Mechanical Parts. Ref.POCI-01-0247-FEDER- 047060
Highlight - Novas soluções para moldes de injeção com ultra alto brilho. Ref.POCI-01_0247_FEDER_047156
 
 
1.6. A sua experiência com os Fundos da União Europeia… fizeram a diferença?
 
Sem dúvida que sem fundos comunitários, o impacto direto quer na investigação fundamental, quer na investigação dedicada à inovação industrial, seria sem dúvida insuficiente. Pois, ausência dos meios necessários, para criar infraestruturas, como é o caso dos Programas: CIENCIA, 4MOBI, PAMI e MATIS, e para suportar a investigação aplicada como o EURAM e o BRITE-EURAM, que foram num contexto de uma investigação internacional, essenciais para o posicionamento das equipas/investigadores, impediriam de atingir os níveis atualmente alcançados. Acresce o facto que os projetos mobilizadores, em co-promoção, demonstradores e núcleos, foram e são a chave do sucesso da indústria nacional, onde se inclui a indústria dos moldes, mantendo-a com soluções que a tornam inovadora no contexto mundial.
 
Muito trabalho, perseverança, e uma boa dose de sorte é o que necessitamos para conseguir o queremos na investigação.
 
 
2. Breve Perfil Profissional
 
Maria Teresa Vieira - Licenciada em Engenharia Metalúrgica pela Faculdade de Engenharia do Porto, Portugal tendo obtido o Doutoramento em Ciências Físicas, Orsay, Universidade Paris XI, França (1983) e desde 2001, é Professora Catedrática, atualmente convidada, da Universidade de Coimbra, Portugal. É membro do CEMMPRE, unidade de investigação da Universidade de Coimbra. Possui extenso currículo científico na área de materiais principalmente de materiais metálicos e processos aditivos, incluído os de produção de filmes finos. Desde a criação de Institutos/Centros de Investigação pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) dirigiu - Instituto de Ciência e Engenharia de Materiais e Superfícies (ICEMS, Polo de Coimbra) até propor (2008) a integração do ICEMS, no Centro de Investigação em Engenharia Mecânica da Universidade de Coimbra (CEMUC), de que foi vice-presidente e coordenadora do Grupo de Nanomateriais e Microfabricação.
 
Atualmente, ela pertence ao CEMMPRE (CEMUC até março de 2017). Foi vice-presidente da Comissão Instaladora do Instituto Pedro Nunes (IPN) de 1990 a 1995, criado por iniciativa da Universidade de Coimbra para prestar apoio multidisciplinar à criação de produtos e processos inovadores num ambiente empresarial. Isso inclui pesquisa e desenvolvimento tecnológico, acesso a fontes de financiamento e assistência em questões de propriedade intelectual e entrada em mercados internacionais. Durante os anos de 1995 a 2012 foi líder científica do Laboratório de Ensaios de Materiais e Desgaste do IPN (LED & MAT).
 
Possui vasta experiência na coordenação científica de projetos de I&D nacionais e internacionais, com e sem indústria na área de materiais e nanomateriais e processamento (> 100). Publicou mais de 211 artigos (Research Science e Scopus) em revistas internacionais com arbitragem científica, h = 26 e k = 60. Orientou 18 teses de doutorado (concluídas) e atualmente orienta 5 doutorados.
 
Membro Conselheiro da Ordem dos Engenheiros e distinguida (1ª edição) com o Prémio Maria Manuela Oliveira (2020), da Sociedade Portuguesa de Materiais (prémio que procura destacar o papel das mulheres nas atividades de I&D  e transferência de tecnologia).
 
 
3. Links
 
 
CTCV - Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro | Website 

08/03/2021 , Por Cátia Silva Pinto
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